6 de maio de 2022

O viking e a borboleta (2)

Todo esse furor partia das retinas avassaladoras de Maria da Clemência, que era de família humilde e que não desfrutava de tantas regalias. Aliás, a casa dos Clemência era farta de miséria.

Neste mesmo lugar Maria nasceu, criou-se e nunca havia imaginado que pudesse sair. 

O pai era um chucro. Trabalhador da terra que ganhava o suficiente para para pagar todo o dia o café que ele tomava sozinho na padaria para aguentar o duro dia da lavoura. A mãe era meio louca e por este motivo se lançava artisticamente a pedir esmolas na escadarias da igreja. 

Irmãos não tinha. Mas bichos, aos montes. Além dos vários cachorros de rua que vinham passar catedraticamente para receber os afagos sensíveis de Maria, havia um papagaio esquelético, quase morto, e os pássaros que comiam os ralos frutos de uma goiabeira da vizinha. 

Ela também tinha enorme afeição pelos animais peçonhentos. Admirava, por exemplo, o destemido e suicida escorpião, que andavam em grande quantidade embaixo dos poucos móveis de seu quarto. Maria era uma amante da vida, independente de como fosse.

A moça vivia pacatamente com a situação, não fazia melindre nem na hora de buscar água no poço a doze quilômetros. Ela tinha a garra dos guerreiros mongóis e a paciência de um monge tibetano nos montes do Imalaia. 

Foi nesse dia, após correr atrás de algum alpiste para um charmoso canário-da-terra, que sentiu aquele cheiro inclassificável. Seus olhos lacrimejaram e seu rumo deu uma reviravolta. Esqueceu-se um pouco de quem era e partiu vagarosamente para sua busca insana.

Foi quando sentiu pena do lugar tão asqueroso que avistara. Aquele quintal que mais parecia um ferro velho de hollywood. Tantas coisas caras em desarmonia, abandonadas, quebradas e mesmo, aparentemente, em pleno funcionamento. 

Maria se concentrou no aroma que acabara de sentir. Fitou com afinco no meio de algumas plantas raras e sem poda. E lá estava. Suave, intensa e desconcertante. A flor mais bela e perfumada que já havia visto em sua vida.

Não tinha muita certeza do que sentia, mas estava convicta de que sua história não seria a mesma depois daquele momento.

Escorou na cerca com os cotovelos, limpou algumas lágrimas que ainda escorriam e suspirou aliviada.

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