6 de maio de 2022

O viking e a borboleta (2)

Todo esse furor partia das retinas avassaladoras de Maria da Clemência, que era de família humilde e que não desfrutava de tantas regalias. Aliás, a casa dos Clemência era farta de miséria.

Neste mesmo lugar Maria nasceu, criou-se e nunca havia imaginado que pudesse sair. 

O pai era um chucro. Trabalhador da terra que ganhava o suficiente para para pagar todo o dia o café que ele tomava sozinho na padaria para aguentar o duro dia da lavoura. A mãe era meio louca e por este motivo se lançava artisticamente a pedir esmolas na escadarias da igreja. 

Irmãos não tinha. Mas bichos, aos montes. Além dos vários cachorros de rua que vinham passar catedraticamente para receber os afagos sensíveis de Maria, havia um papagaio esquelético, quase morto, e os pássaros que comiam os ralos frutos de uma goiabeira da vizinha. 

Ela também tinha enorme afeição pelos animais peçonhentos. Admirava, por exemplo, o destemido e suicida escorpião, que andavam em grande quantidade embaixo dos poucos móveis de seu quarto. Maria era uma amante da vida, independente de como fosse.

A moça vivia pacatamente com a situação, não fazia melindre nem na hora de buscar água no poço a doze quilômetros. Ela tinha a garra dos guerreiros mongóis e a paciência de um monge tibetano nos montes do Imalaia. 

Foi nesse dia, após correr atrás de algum alpiste para um charmoso canário-da-terra, que sentiu aquele cheiro inclassificável. Seus olhos lacrimejaram e seu rumo deu uma reviravolta. Esqueceu-se um pouco de quem era e partiu vagarosamente para sua busca insana.

Foi quando sentiu pena do lugar tão asqueroso que avistara. Aquele quintal que mais parecia um ferro velho de hollywood. Tantas coisas caras em desarmonia, abandonadas, quebradas e mesmo, aparentemente, em pleno funcionamento. 

Maria se concentrou no aroma que acabara de sentir. Fitou com afinco no meio de algumas plantas raras e sem poda. E lá estava. Suave, intensa e desconcertante. A flor mais bela e perfumada que já havia visto em sua vida.

Não tinha muita certeza do que sentia, mas estava convicta de que sua história não seria a mesma depois daquele momento.

Escorou na cerca com os cotovelos, limpou algumas lágrimas que ainda escorriam e suspirou aliviada.

22 de abril de 2022

O viking e a borboleta


Observe só como a natureza decidiu intervir nesse mundão. Imagine um homem daquele porte de cangaceiro. O homem era bruto. Um selvagem. O cabra acordava com um gole de cachaça. Cuspia no pinico e, enfim, levantava. Fazia sol ou fazia chuva e o sujeito não mudava. De noite, na bodega, ficava de fogo e fazia discurso. Era um verdadeiro poeta das novas tendências. As pessoas, admiradas, não o contavam o quanto absurdo eram as coisas que falava.
Era difícil. Voltava para a casa e sentir-se só. Vibrava com uma música que o fazia se sentir como "naquele dia". E assim fazia a vida, entre trancos e barrancos, trazia carne e as vezes as comia. As vezes não. Descascava madeira para fazer miniaturas e confundia certo tipo de fruta "habitavam" em seu quintal.
Neste espaço perdido, intacto e rejeitado vivia uma flor das mais belas pétalas, com pólen em abundância e aroma de amolecer os joelhos. Poucos sabiam, mas aquela era uma flor das mais raras. Trazia em sua história muito pouco a contar. Ninguém a conhecia. Mas a poucos metros, os olhos castanhos olhavam intensamente para a flor. Admirada, ela observa a obstinada beleza.

Todo esse furor partia das retinas avassaladora de Maria da Clemência, que era de família humilde e que não desfrutava de tantas regalias. Aliás, a casa dos Clemência era farta de miséria.
Neste mesmo lugar Maria nasceu, criou-se e nunca havia imaginado que pudesse sair.
O pai era um chucro. Trabalhador da terra que ganhava o suficiente para para pagar todo o dia o café que ele tomava sozinho na padaria para aguentar o duro dia da lavoura. A mãe era meio louca e por este motivo se lançava artisticamente a pedir esmolas na escadarias da igreja.
Irmãos não tinha. Mas bichos, aos montes. Além dos vários cachorros de rua que vinham passar catedraticamente para receber os afagos sensíveis de Maria, havia um papagaio esquelético, quase morto, e os pássaros que comiam os ralos frutos de uma goiabeira da vizinha.
Ela também tinha enorme afeição pelos animais peçonhentos. Admirava, por exemplo, o destemido e suicida escorpião, que andavam em grande quantidade embaixo dos poucos móveis de seu quarto. Maria era uma amante da vida, independente de como fosse.
A moça vivia pacatamente com a situação, não fazia melindre nem na hora de buscar água no poço a doze quilômetros. Ela tinha a garra dos guerreiros mongóis e a paciência de um monge tibetano nos montes do Imalaia.
Foi nesse dia, após correr atrás de algum alpiste para um charmoso canário-da-terra, que sentiu aquele cheiro inclassificável. Seus olhos lacrimejaram e seu rumo deu uma reviravolta. Esqueceu-se um pouco de quem era e partiu vagarosamente para sua busca insana.
Foi quando sentiu pena do lugar tão asqueroso que avistara. Aquele quintal que mais parecia um ferro velho de hollywood. Tantas coisas caras em desarmonia, abandonadas, quebradas e mesmo, aparentemente, em pleno funcionamento.
Maria se concentrou no aroma que acabara de sentir. Fitou com afinco no meio de algumas plantas raras e sem poda. E lá estava. Suave, intensa e desconcertante. A flor mais bela e perfumada que já havia visto em sua vida.
Não tinha muita certeza do que sentia, mas estava convicta de que sua história não seria a mesma depois daquele momento.
Escorou na cerca com os cotovelos, limpou algumas lágrimas que ainda escorriam e suspirou aliviada.

A vida parecia que continuara. Maria da Clemência decide mais uma vez ler as páginas soltas de Madame Bovary. Eram folhas achadas por ela mesma no lixo, ainda com manchas de chorume, em uma casa perto do mercadinho.
Ficou novamente intrigada com as frases desconexas que mexiam com alguns instintos escondidos.
Ela não entendia por completo o que era tudo aquilo, mas sentia coisas que jamais sentira antes.
Estava concentrada nas palavras quando bateram na porta. Era o dono da lavoura que seu pai trabalhava.
O homem bem alinhado, barbudo e com certa desenvoltura veio lhe pedir uma prosa para aquele fim de tarde.
- Incomodo?
- Não, por favor. Pode entrar.
Ela examina o pote de café para ter certeza de que não havia nada. Ficou um pouco constrangida e o perguntou se o sujeito queria um copo de água.
Ele agradeceu, mas disse que não era necessário. Ela, já com um copo engordurado na mão, sorriu meio sem jeito.
O homem em seguida pergunta sobre sua mãe. Vasculhando o histórico, questiona ironicamente se estava na escadaria. Maria encosta desajeitadamente o pulso sobre a nuca, deixando os cabelos cair sobre a cena, e confirma.
Ela pergunta, enfim, se estava tudo bem. Queria saber se o pai estava com algum problema.

O homem responde prontamente que está tudo bem e emenda uma conversa sobre algumas coisas vagas e sem nexo. Diz que gostaria de passar mais um tempo com ela. Queria saber se era possível.
Maria da Clemência se sente traindo o que não tinha. Pensa em muita coisa da sua vida. Vem em sua mente o escorpião, a miséria, os uivos dos lobos na madrugada, o sol quente de quando vai buscar água para matar a sede de seus pais. Lembra da flor e decide de vez por uma sentença. Ela não queria aquilo.
Inventa uma desculpa e diz que precisa fazer alguma coisa muito importante. Mas fica receptiva ao que o homem tem para falar. Se tivesse, claro, outra coisa a se falar.
Ele diz que está tudo bem e que precisa sair naquele momento. Tinha uma entrega muito importante de adubo para receber. Dão as mãos - meio que sem jeito - e terminam definitivamente o encontro desconcertante.
Ela volta ao quarto, mas não consegue continuar as leituras vagas do livro que conta a história de uma mulher decidida, atraente e cheio de personalidade. Maria sente que essa é mulher que deseja ser.
Não sabia o que fazer e por isso decidiu por uma obrigação. Subiu no telhado para tirar o lixo do telhado que é jogado pelas pessoas que passam pela rua.
Dentre esse lixo, haviam bilhetes embrulhando pedras que diziam, entre outros insultos, "louca sem pudor!" e "velho desajeitado".

Tentou não prestar muito atenção nisso e olhou para o horizonte. O sol desaparecia e dava por fim mais um dia de angústia e esperança. Maria sonhava enquanto fazia novamente algo de bom para sua família.

Amanhece mais um dia na casa da flor inebriante e o homem decide enfim acordar. Como sempre, usa o ritual catedrático de todas as manhãs. Espreguiça. Estrala os dedos dos pés. Coça a barriga. Espreguiça-se mais um pouco.
Olha no relógio. Sete e quinze. Já está na hora de se arrumar. Toma o café e salta a caminho do trabalho. A pé, ele percorre por poucas ruas a caminho do escritório de engenharia Saldanha & Saldanha.
Percebe que algo está acontecendo de diferente. Olha para o fim da rua e encanta-se: calmamente e levantando alguma poeira vem chegando na pacata cidade um circo.
Os caminhões vem trazendo lonas, ferro, palhaços, malabaristas, trapézios, as barbas de uma mulher, alguns animais e muita esperança.
Parado, estático, Humberto Saldanha lacrimeja os olhos e emocionado sente-se reconfortado com a certeza de que saciará o desejo de muito tempo.
Humberto adora a sensação de encantamento do universo das crianças. É nesse momento que não precisa mais pensar nas contas, nos clientes e em suas metas.
Decide então continuar. Pensando que dali a algum tempo o seu pesar diminuirá, parte em direção ao escritório. Vai, leve, curtindo passo a passo o seu deleite.
Aos saltos pela escada, o então Senhor Saldanha abre a porta com um cantado "Bom dia!". Todos estranham e levam algum tempo para retornar com algumas respostas vagas, desafinadas e desconexas.
Fala com o estagiário sobre algumas coisas que precisam ser feitas e escorrega para sua sala.
Na mesa, papéis, projetos, muitos lápis sem ponta, uma mancha de café e alguns cigarros soltos. Humberto olha para tudo aquilo e suspira. Vira-se para a janela e promete que aproveitará a vida.

É neste momento que chega no escritório de engenharia o dono da lavoura. O homem pede para falar com "Seu Humberto", que prontamente o recebe.
- Senhor Martinho, bom dia!
- Seu Humberto, venho agora mesmo da minha lavoura e penso que você pode me ajudar com uma questão.
Humberto convida o homem para sentar e questiona sobre os detalhes da situação.
- E como eu, com a engenharia, posso ajudar no andamento de uma lavoura tão produtiva quanto a sua?
- Produtiva mais ou menos. As safras não andam lá aquelas coisas. Acontece que tenho pensado seriamente em investir em outro empreendimento. Para isso, gostaria de construir um barracão.
O senhor Martinho explica que o projeto deste barracão deve ser elaborado com algumas características. Conta que será necessário um teto com abertura para luz solar e um sistema avançado de irrigação. Não fala sobre o que cultivará, mas que será necessário que o projeto seja executado com grande agilidade.
Receoso, o engenheiro pergunta se não é nada ilegal. Em todos esses anos, seu escritório se gabava por nunca havia se metido em nada de "errado" e que não seria nessa hora que ele se renderia a "essas coisas".
Prontamente Seu Martinho garante que não têm nada de ilegal, mas que precisa manter a discrição por uma questão de mercado.
Humberto relaxa e de certa forma confia na palavra do empresário. Os dois apertam as mão e decidem falar sobre os detalhes, preços e prazos.

.

Buguei na matrix 

translucidei o universo e 

fritei a rede

10 de agosto de 2020

Bananas de Caracas

No canto da sala estoura uma bolha de chicletes de jaca e tudo se alaga. Sai da explosão também um submarino em formato de elefante e vejo que estou dentro dele. Pego-o com minha coxa e faço uso dele como uma flauta azeda, fazendo brotar o som como de latas que caem ao chão no ritmo de uma banda de pífano do oeste da escandinava. Tudo parece tão calmo. Estranho. Sinto de novo aquele formigamento. O silêncio que precede o nada. Gargalho. Sou atirado como uma bala de canhão para a cozinha do vizinho do Vermont. Gosto quando espalho frutas de cobre por aí. Me sinto despreperado. Aquele chá de náuseas me caíram super-bem. Vou vomitar esses gafanhotos agora. Peço três desejos ao confeiteiro. Não adianta enganar. Partirei em breve para Finlândia a fim de quitar todas as pendências com o Ferdinand. Que sujeito lascível que eu sou. Miagui. Cadarço. Gigante. Gelo, gilete. Rondele. Acabou todo o estoque de tampas de combustível e por isso preciso andar mais depressa que o normal. Acabou minha paciência para questões corriqueiras da Noruega. Vou visitar. Como? Sempre faço a mesma piada sobre as perversas reflexões de chantili. E tudo implode. De novo.

12 de março de 2017

Não existe coerência no todo

Se procurarmos nas filosofias intelectuais, religiosas, familiares, dentre tantas fontes, vamos descobrir que no final não existe um caminho exato para o trilhar da vida. Os ateus podem nos mostrar aspectos da fé e existem muitas contradições entre os religiosos. E por aí vai...

Não é defesa de causa alguma, é só perceber que se puxarmos os fios que explicam o sentido da nossa vida vamos perceber um belo emaranhado. E junte-se a isso a avalanche de informações que recebemos cotidianamente, vamos entrar num colapso de nós. Não achamos caminho exato, sem contradições, sem erros, sem ajustes.

Se observarmos um agricultor que passou a vida inteira plantando e colhendo maçãs, pesquisando sobre maçãs, sendo o o melhor em maçãs, vamos ter certeza de que ele conhece sobre aquele fruto e sabe, sob tudo, o como fazer maçãs que não deram certo, que não se desenvolvem, que pegam pragas.

Temos um instinto de realizar coisas, de falar que somos bom em algo, de sermos as melhores pessoas fazendo seja lá o que for. Se nos aprofundarmos mais um pouco, vamos entrar em contradição. É batata. Somos uma fraude. E isso mexe com o nosso ego. Fomos treinados para sermos perfeitos. Ledo engano, não existe coerência no todo.

Vez ou outra vamos nos trair fazendo o que já aprendemos que não deveríamos fazer. Todos fazem isso. E está tudo bem. O segredo é juntar a concha de retalho, desfazer alguns nós, fazer outros e deixar viver. Talvez desse processo consigamos entrar em contato com o nosso pomar de contradições, dominá-lo e, por fim, produzir nossos melhores frutos.

24 de fevereiro de 2013

Meninice madura

Reconheço hoje a importância da infantilidade. Aquela que faz olharmos diferente para tudo que temos a fazer, os prazos, as discussões, as atribuições, as quitações e tudo que nos faz envelhecer cada vez mais. Percebo que o olhar de criança é a resposta que traz à tona a verdadeira função do nosso ser, a leveza que faz tudo valer a pena.

As lembranças dos cheiros são fortalezas internas que culminam em nossa verdadeira essência. O azedo que antes tanto nos encantava, de tanta estranheza, vem como um rufo de prazer incomensurável.

Tardes quentes que fazem nosso cotidiano uma festa, mesmo sem uma aparente produção, legitima a força da simplicidade, que resplandece cores, formas, texturas, sons, quinas, curvas, alturas, degraus, tecidos, olhares, cochichos, ardências, remédios, sabores e outras peripécias.

Cabe a nós viver essa magnitude chamada acaso, com a calma de uma criança que vive apenas o agora. A combinação ideal é a tranquilidade - que dá tempo-ao-tempo - com a agitação do querer viver o melhor neste exato momento, com os melhores argumentos. 

Essa é a imagem hipotética de um mundo realmente melhor.   

17 de novembro de 2010

Pare, preciso escrever*

Borboletas tocando thrash metal em meus planos
Metralhadoras de bolachas, cookies
Um canto calmo e distante no canto da cabeça me faz pensar que isso não é normal
Paro, penso, resmungo, respiro, não termino, me irrito, imito, minto,
Mando qualquer nexo para o espaço

Me sinto com 12 anos
Rabugento com as notícias do Abravanel
Cansado para as tarefas diárias

Estou me achando um velho
Faço pirraça
Mostro a língua
Molho o umbigo com saliva alheia


Agora estou melhor**

*Um ponto de exclamação para amenizar meus níveis de cortisol
**.
Ilustração: Henrique Cunha

25 de outubro de 2010

Insuportavelmente conveniente

Tudo que fazemos pode ser premeditado e muito bem planejado. Pensando, nós arquitetamos até os mínimos detalhes do nosso presente e construímos o futuro, como se fossemos políticos de nossos destinos tentando nos convencer e iludir do que é melhor ser feito. Temos certeza que se conseguirmos "aquela casa", "aquele carro" ou "aquela pessoa" – como se pudéssemos possuir alguém – encontraremos a felicidade. Muitas pessoas ganham muito dinheiro com essa idéia tão básica e hipócrita.

Porém, a lógica do adverso e do abstrato, inevitavelmente, tende a aparecer. Certo dia a Clotilde disse ao seu marido:

- Quero o divórcio, Pompeu!

Seu conjugue ficou espantado, pois os 34 anos e 42 dias desde que se conheceram fizera o melhor para atender às necessidades da esposa: dinheiro, festas até o sexo – sabia quase todas as posições da última edição do kama sutra. Pompeu era uma pessoa precavida e bem divertida, admirado pelos seus amigos e também por Clotilde. Mas o motivo da separação foi a mania de perfeição.

Ela sentia-se pequena perto dele.

- O que faltou para ele foi ser um pouco mais patético. - e ela conclui.

A carne pode azedar se você temperar demais.

6 de outubro de 2010

Zurique

Uma das graças da vida é dar asas ao acaso criado. Começo com este diário escrevendo sobre o primeiro lugar que vou visitar em uma viagem pelo mundo, que contempla 26 cidades. Essa primeira é a maior da Suíça, um charme, chamado: Zurique.

Quando desembarquei no imenso aeroporto, estava meio zonzo com os efeitos da turbulência que passamos na viagem. As bolachas amanteigadas que comi pareciam que ainda estavam entaladas na minha garganta, pois foi justamente no momento de mordê-las que o piloto gritou “fiquem calmos...”.

Passado o susto, decidi que era o momento de começar a viagem, pois tinha muito a se fazer. Então, comprei um mapa e um maço de cigarros e embarquei em um táxi rumo à praça central da cidade.

Foi lá que decidi estudar para onde eu iria em seguida, que, sentado ao meu lado, uma linda moça de olhos ardentes e gestos delicados me contava sobre os sobressaltos que estava passando na vida. Então, saltando intenções corriqueiras, convidei-a para tomarmos um café e decidirmos juntos para um destino qualquer. A louca chamada Madeleine – sim, francesa – aceitou!

Ilustração: Bob Mankoff

6 de setembro de 2010

Com mãos pacientes, o xilógrafo entalha a malha da madeira. Das aparentes tolas marteladas, surge o conexo. Com nexo, os pés apontam em duas direções. Dois pés para baixo mostrando a sobreposição, dois pés para cima em posição de doação. Tudo em uma cama de madeira, no quadro de madeira, impresso, à tinta, no papel, que um dia foi uma árvore. Executando uma bela arte. Bravo!

Xilogravura: Henrique Cunha

26 de agosto de 2010

Acossado é rápido incessante com um ritmo alucinante que mostra uma paixão desconcertante de um assassino descolado e uma musa fascinante

6 de agosto de 2010

Naquele dia

Laurindo acordou com a cara na quina da cabeceira da cama. De súbito, queria morrer e achou interessante a ideia de ter uma boa doença, que o deixasse na cama pela manhã inteira. Talvez pela semana, ou semanas, ou mês, ou meses, ou quem sabe o ano inteiro, a vida inteira. “Por que não?”, pensava.

Estava cansado nos primeiros segundos do dia que estava por vir. De cara, Laurindo já se entediava com a possibilidade de um café ruim que estava por vir. Sabia que a patroa, Eunice, o chamaria, perguntando com a voz estridente: “não vai trabalhar hoje?!”.
Aquele maldito despertador já estava ressoando o tic-tac pelos trigésimos primeiros minutos de todo esse devaneio. A cortina de contas na porta do quarto tilintava irritantemente. “E esses pássaros, hã!?”.

Então decidiu não pensar mais. Levantou, lavou o rosto, beijou Eunice, deu uma golada no café amargo, comeu uns quatro pedaços do pão adormecido, beijou novamente Eunice, bateu o portão e pensou: “Mais um dia!”

29 de julho de 2010

Ontem assisti Touro Indomável, do Scorsese, comi um cachorrão no Night Dog e cheguei a conclusão de aquele lanche é realmente selvagem.

7 de julho de 2010

A música embala os sonhos
Um sonho balança vidas
Mas a vida não é feita disso

6 de julho de 2010

Pão (caseiro) nosso de cada dia

Quem lê o título do post até pensa que eu faço tanto pão caseiro assim. Quando a realidade é que ontem fiz meus primeiros dois pães. Primeiro, primeiro, não. Quando criança, eu já participei de um jornada de massa com mãe, tias e avós. Mas esta é a primeira vez que faço pão sosinho em casa, sendo responsável pelos meus atos.

Para começar a saga, um pouco disso tem a ver com a minha viagem em Utinga (tudo bem, eu sei, a história da viagem continua). Quando eu e a Ji (minha amiga da saga baiana-utinguense) fomos comprar pão logo no primeiro dia que estávamos na cidade, além de conhecer o Buiú (uma pessoa bem simpática, que é dono do mercadinho em questão), descobrimos o pão que eles comem no lugar. É um pão caseiro só que em um formato individual. São deliciosos!

Daí, a inquietação não deixou barato, perguntamos ao Buiú quem os fazia e, no outro dia, às 14h, fomos conhecer o processo de fabricação. São três caras que fazer os taís pãezinhos. Começam à 1h da matina, confeccionando dois mil e quinhentos pães, e às 13h, com a produção de mais mil e quinhentos pães. Trabaham todos os dias, de segunda à segunda, incluindo em feriados. Fazem isso a muito tempo e não estão tão felizes assim. Nos disseram, naquele tom de que ouço de muitas pessoas: "Gostar, gostar, a gente não gosta muito. Mas tem que ganhar a vidão, não é?". Mas, frustações e desejos reprimidos à parte, aquela história do pão me inspirou.

Quando voltei para Sorocaba, questionei minha tia Andréa (que é uma cozinheira de mão cheia e exemplo de pessoa para mim) como fazia o pão. A receita foi de bate pronto: um quilo de farinha, quinze gramas de fermento, um ovo, meio litro de leite, sal, açucar e óleo. Só isso. A receita, que rende dos pães, foi passada com a ressalva de deixar o leite amornar para que o fermento tenha mais efeito.

Outra questão para a caixina de aprendizado, a açucar ajuda no processo de fermentação para que a massa cresça. Que, aliàs, tem outro ponto fundamental. Sovar (amassar, socar) é importante para dar mais qualidade para o processo.

Fiz tudo isso e os pães até que saíram bons. Acho que só preciso melhorar algo mais no caminhar da produção para que a massa cresca mais e fique mais macia. Mas está ótimo. Primeiro pão feito, aprendizado para o próximo. É assim que a gente cresce, a massa cresce e a ignorância diminui.

Foto: Andrei Martinez

5 de julho de 2010

A ditadura do coentro

Para continuar falando sobre minha saga utinguense, tocarei em um assunto que é tabu: o coentro. Esta hortaliça até que é simpatica. Ela é parecida com a salsinha, mas não me engana. Basta chegar perto do canteiro ou de uma barraca de feira e dar aquela cafungada para perceber o seu impacto olfativo.

O fato é que o coentro tem o populismo de JK no nordeste, mas tem tudo a ver com o plano de governo militar do "ame-o ou deixe-o". Ele pega pra capar.

Assim, nas refeições em Utinga, convivi com este crápula no arroz, no feijão, na mistura (seja qual for ela), entre tudo e todos. E acredito que só não o usam em pratos doces porque eles acreditam que não são dignos da aliança. O coentro subverte pessoas e as faz deixá-lo em lugares estratégicos de suas próprias casas, como na ilha de Guantánamo.

Quando você abre a geladeira de um utinguense, é batata (ou batatada). Com o ar geladinho do eletrodoméstico, espalha-se, como uma bomba de efeito moral, um coquetel molotov culinário, seu cheiro incomensuravelmente inconfundível. Percorre por corredores, quartos, salas, cozinhas, sótons, tudo. Até um cara que está no detalhado, achando a melhor posição da antena para assistir a derrota do Brasil para a Holanda, cai. O coentro invade tudo, faz miséria, não quer saber de nada e toca a sua ditaura. Muito dura.

Foto: Andrei Martinez

2 de julho de 2010

Slow Food de Utinga

Dia 30 foi meu último dia de férias e agora voltei a labuta, mesmo que em um ritmo bem mais calmo. Isso tem um interferência óbvia de minha viagem para a Bahia, terra de Caymmi e João Gilberto.

Embarquei pela manhã do dia 15 de junho em Viracopos, com destino ao aeroporto Internacional de Salvador - Deputado Luís Eduardo Magalhães. E, de lá, direto para a rodoviária para embarcar em um ônibus com rumo à Utinga.

Foram mais de 400 Km de estrada até chegar na pequena rodoviária, onde mãe da Ji (uma grande amiga, que foi responsável por esta odisséia nordestina) e seu marido nos esperavam. Os nomes são Lindinalva (carinhosamente chamada por todas de Lindi) e Milton (conhecido como: o Miltão que matava porco. Um sanfoneiro de primeira). Eles nos conduziram até a casa, localizada no bairro Ponte de Tábua, e nos abriram todas as portas, reais e imaginárias.

Por lá foram 8 dias de muito sussego. Revesávamos nossos afazeres em tomar banhos de rio, conversar sobre as coisas da vida (e da morte também), passear pelas ruelas, mas de, principalmente, cozinhar. Preparamos, por exemplo, uma galinhada, onde o passo a passo começou com algumas palmas nas casas dos vizinhos, seguidos de um diálogo que se começava com: "tem galinha boa por aí?". E depois de correr atrás das pobrezinhas que iriam para nossas barrigas, fizemos a pesagem (com os próprios braçoes, é claro) e a negociação. O resto é o de sempre: matar (confesso, que não fiz isso), despenar, limpar, temperar, cozinhar e servir. A parte do tempero merece uma ressalve: coentro (muito coentro). Falarei mais sobre ele e sua ditaduta na culinária nordestina.

Foto: Andrei Martinez

14 de abril de 2010

Pedidos insólitos

Eu quero que algumas coisas mudem em você. E agora, sem papas na língua, vou falar sobre isso. E começo pela sua arrogância. Quero que você acabe com ela de uma vez por todas. Peço que você me ouça com complacência e para isso não precisa (e necessariamente não precisa) de formalismo.

No meio disso tudo, faça piadas infames se sentir à vontade. Esteja pronto para sofrer retaliações das pessoas que não entenderam. Ou que entenderam e não gostaram.

Quero que você mude seus sonhos, e que brinque mais. Cante descompromissadamente com alguns novos amigos. Cultive, mais e mais, relações duradouras.

Vá aos teatros, faça festas às segundas. Ou nas terças, quem sabe. Faça o caramba a quatro, mas faça integralmente.

Pelo amor de Deus, aprenda com Buda. A introspecção é fundamental. Pois, numa estrutura social maluca como a que vivemos é, fácil fácil, perder o juízo. E, por fim, quero que você entenda que há algumas coisas você não pode mudar, mais que, mesmo assim, você deve sempre mudar, sem mudar quem realmente você é: você.

6 de abril de 2010

O cotidiano é fato, fétido
A poesia tem que prevalecer, sempre

Sem métrica, rima ou mesmo gramática
E isso não é uma regra
Com muito amor, goiabada e bolas coloridas
Sem sentido, com ele ou tanto faz

Uma vida perdida para o agora
Um gosto do infinito no ar

31 de março de 2010

Calma manhã

Naquele glorioso momento, pensei em algo a mais para fazer. Então, coloquei uma roupa e fui, resignado, para a padaria mais próxima de casa.

Enquanto caminhava, a brisa acariciava meu rosto, o sol, calmamente, tratava de esquentar a minha pele e eu ouvia os detalhes de uma orquestra, desconexa, que se formava ao meu redor. Eram, pelo menos, umas três espécies de pássaros. Eram mulheres conversando sobre vidas alheias, enquanto faziam solos com suas vassouras. Eram carros e muitos outros sons.

Ao chegar na padaria, dei um olá ao seu Manuel, dono do lugar, e para Janice, sua esposa, que estava atrás do balcão cortando frios.

- A senhora, por favor, aproveite para cortar algumas fatias do presunto - disse è ela, pedindo o cuidado para que cortasse-as bem finas.

Quando Janice terminou de pesar as baguetes, que vinham com cobertura de queijo parmesão, escolhi alguns itens das prateleiras, paguei a conta e saltei, da calçada da tal padaria direto para casa.

Enquanto caminhava pelo meu jardim, resolvi roubar-me algumas margaridas, que belas e simples, só elas. Abaixado, ouvi sua linda voz na varanda. "Pensei que tinha fugido", debochou. Olhei-a. Estava sentada na beira da escada, descabelada, vestindo o meu pior pijama, o mais surrado. Naquele momento, era ainda mais linda, reconheci.

Entramos, calmamente nos beijamos e tratei de trancar, novamente, a porta da sala.

30 de março de 2010

Suave Noite

Como um solo de jazz, ela me convidou para dançar. Sei que fiquei vermelho e balancei a cabeça, afirmando à sua proposta.

Naquele momento, não sabia como fazer, mas, de repente, o som dominou meu pensamento e agarrei-a com firmeza. Ela então se impressionou - e me encarou. Olhou-me e derramou um belo sorriso no canto dos lábios.

Os nossos rostos roçavam e, num ímpeto do acaso, nossas bocas se encontraram. Ela então transbordou-me em lábios, línguas e salivas.

Lá pelas tampas da noite, decidimos sair do lugar. Num táxi, entramos e para minha casa rumamos. Beijei seu ombro e disse-lhe palavras românticas, descompromissadas. Chegamos e, despidos, dançamos em outro ritmo.

Pela manhã, o céu estava como nunca tinha visto. Eu, serenamente, olhava-a e ela, majestosamente, dormia.

9 de março de 2010

Numa bela casinha >> De parede rosa >> E cerca branquinha >> Tinha uma curva sinuosa

25 de fevereiro de 2010

Esquina do olho
...
Tenho paixão pelas letras
Adoro lembrança, mas, mesmo assim
Sou fascinado por faces

Expressões de muitas formas
Que se esculpem nos rostos
Dúvidas, alegrias, tristezas
E gloriosos sorrisos

E sei que, de súbito, pensas
Que isso não rima

O poema não rimou
E, por isso
Acabou

20 de fevereiro de 2010

Desbravando

Ontem, fiz minha primeira sessão fotográfica. Confesso que foi estranho, fiquei nervoso e, claro, não gostei da maioria das fotos. Mas está ótimo. A experiência foi bem legal, onde a direção, feitas pelo Henrique (que também fotografou) e Samara (que também cuidou da maquiagem e de, desesperadamente, desarrumar o meu cabelo), em um estúdio montado especialmente para isso. Superei este primeiro trauma e aprendi uma lição perfeita para essas ocasiões: relaxa!

24 de agosto de 2009

Zé da poita

Neste fim de semana, viajei com meu pai para a praia. E, dentre chuvas e ventanias, fizemos uma caminhada e meu pai lembrou-se de um sujeito de lá, conhecido como Zé da poita. O interessante é o porquê ele é chamado assim. Pois, geralmente, os pescadores armam a rede e depois a retiram do mar.

O Zé da poita, fazendo juz ao nome, deixa a rede apoitada (ou ancorada). Para isso, ele entra diariamente nas águas, a nado, com um facão, e lá mesmo ele retira o peixe e limpa a rede. Vez ou outra, ele tira a rede para fazer reparos necessários.

Este é um bom Zé para se conhecer.

11 de agosto de 2009

Zéninguém pra você

A grande notícia é que criei um blog e, pasmem, estou empenhado em me dedicar a isso. Sendo assim, começo com três assuntos: não sou ninguém conhecido (para as pessoas que não me conhecem, certo? Certo!), mesmo assim quero falar sobre o que penso – e já começo pensando que isso é um grande problema. Pra você, claro!

E, pra ferrar ainda mais, começo com o jargão: um espaço em branco, para escrever o que? E essa grande questão apoiada noutra. Se não tenho cultura para preenchê-lo, é melhor que eu não escreva nada. Assim, desligo este computador e vou embora