Seja colorido.
Sean Adams
Todo esse furor partia das retinas avassaladoras de Maria da Clemência, que era de família humilde e que não desfrutava de tantas regalias. Aliás, a casa dos Clemência era farta de miséria.
Neste mesmo lugar Maria nasceu, criou-se e nunca havia imaginado que pudesse sair.
O pai era um chucro. Trabalhador da terra que ganhava o suficiente para para pagar todo o dia o café que ele tomava sozinho na padaria para aguentar o duro dia da lavoura. A mãe era meio louca e por este motivo se lançava artisticamente a pedir esmolas na escadarias da igreja.
Irmãos não tinha. Mas bichos, aos montes. Além dos vários cachorros de rua que vinham passar catedraticamente para receber os afagos sensíveis de Maria, havia um papagaio esquelético, quase morto, e os pássaros que comiam os ralos frutos de uma goiabeira da vizinha.
Ela também tinha enorme afeição pelos animais peçonhentos. Admirava, por exemplo, o destemido e suicida escorpião, que andavam em grande quantidade embaixo dos poucos móveis de seu quarto. Maria era uma amante da vida, independente de como fosse.
A moça vivia pacatamente com a situação, não fazia melindre nem na hora de buscar água no poço a doze quilômetros. Ela tinha a garra dos guerreiros mongóis e a paciência de um monge tibetano nos montes do Imalaia.
Foi nesse dia, após correr atrás de algum alpiste para um charmoso canário-da-terra, que sentiu aquele cheiro inclassificável. Seus olhos lacrimejaram e seu rumo deu uma reviravolta. Esqueceu-se um pouco de quem era e partiu vagarosamente para sua busca insana.
Foi quando sentiu pena do lugar tão asqueroso que avistara. Aquele quintal que mais parecia um ferro velho de hollywood. Tantas coisas caras em desarmonia, abandonadas, quebradas e mesmo, aparentemente, em pleno funcionamento.
Maria se concentrou no aroma que acabara de sentir. Fitou com afinco no meio de algumas plantas raras e sem poda. E lá estava. Suave, intensa e desconcertante. A flor mais bela e perfumada que já havia visto em sua vida.
Não tinha muita certeza do que sentia, mas estava convicta de que sua história não seria a mesma depois daquele momento.
Escorou na cerca com os cotovelos, limpou algumas lágrimas que ainda escorriam e suspirou aliviada.
No canto da sala estoura uma bolha de chicletes de jaca e tudo se alaga. Sai da explosão também um submarino em formato de elefante e vejo que estou dentro dele. Pego-o com minha coxa e faço uso dele como uma flauta azeda, fazendo brotar o som como de latas que caem ao chão no ritmo de uma banda de pífano do oeste da escandinava. Tudo parece tão calmo. Estranho. Sinto de novo aquele formigamento. O silêncio que precede o nada. Gargalho. Sou atirado como uma bala de canhão para a cozinha do vizinho do Vermont. Gosto quando espalho frutas de cobre por aí. Me sinto despreperado. Aquele chá de náuseas me caíram super-bem. Vou vomitar esses gafanhotos agora. Peço três desejos ao confeiteiro. Não adianta enganar. Partirei em breve para Finlândia a fim de quitar todas as pendências com o Ferdinand. Que sujeito lascível que eu sou. Miagui. Cadarço. Gigante. Gelo, gilete. Rondele. Acabou todo o estoque de tampas de combustível e por isso preciso andar mais depressa que o normal. Acabou minha paciência para questões corriqueiras da Noruega. Vou visitar. Como? Sempre faço a mesma piada sobre as perversas reflexões de chantili. E tudo implode. De novo.
Tudo que fazemos pode ser premeditado e muito bem planejado. Pensando, nós arquitetamos até os mínimos detalhes do nosso presente e construímos o futuro, como se fossemos políticos de nossos destinos tentando nos convencer e iludir do que é melhor ser feito. Temos certeza que se conseguirmos "aquela casa", "aquele carro" ou "aquela pessoa" – como se pudéssemos possuir alguém – encontraremos a felicidade. Muitas pessoas ganham muito dinheiro com essa idéia tão básica e hipócrita.
Porém, a lógica do adverso e do abstrato, inevitavelmente, tende a aparecer. Certo dia a Clotilde disse ao seu marido:
- Quero o divórcio, Pompeu!
Seu conjugue ficou espantado, pois os 34 anos e 42 dias desde que se conheceram fizera o melhor para atender às necessidades da esposa: dinheiro, festas até o sexo – sabia quase todas as posições da última edição do kama sutra. Pompeu era uma pessoa precavida e bem divertida, admirado pelos seus amigos e também por Clotilde. Mas o motivo da separação foi a mania de perfeição.
Ela sentia-se pequena perto dele.
- O que faltou para ele foi ser um pouco mais patético. - e ela conclui.
A carne pode azedar se você temperar demais.